Esta obra é o resultado de mais de trinta anos de pesquisa na área do direito tecnológico e, também, no campo da tecnologia propriamente dita, sendo esta última marcada por alguns cursos de programação computacional feitos ainda na década de 1980, como Cobol, Basic e MS-DOS, todos por influência de meu pai, que trabalhou na IBM e no Grupo Brennand, ainda na época dos computadores à válvula e cartões perfurados. Enfim, optei pelo Direito, me graduei na UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco), em 1989.
Em 1993 ingressei no curso de mestrado na Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e em 1997 defendi minha dissertação intitulada ‘O direito cibernético: Um enfoque teórico e lógico-aplicativo’, a qual foi publicada na coleção de teses da editora Renovar, no ano 2000. Em sucessivo, dei continuidade aos estudos pertinentes às repercussões jurídicas derivadas da aplicação da tecnologia nas relações sociais, desta feita centrando as investigações na seara do direito processual eletrônico, culminando, em 2003, com a defesa de tese de doutorado, na mesma Faculdade, intitulada ‘Principiologia juscibernética. Processo telemático: Uma nova teoria geral do processo e do direito processual civil’.
Uma particularidade relativa à tese de doutorado é que contei, inicialmente, com a orientação do Professor Lourival Vilanova, fui o seu último orientando. A ideia inicial era aprofundar os estudos sobre a lógica aplicável ao fato jurídico tecnologizado. Entretanto, em 2001, o Professor Vilanova faleceu quando ainda não havia sido concluída a tese, tendo o Professor Nelson Saldanha passado à condição de meu orientador.
As distinções das abordagens metodológicas e ideológicas e, enfim, dos pensamentos desses dois grandes Mestres da Escola do Recife refletiram-se na tese, que abdicou de uma visão exclusivamente lógico-analítica e decolou para uma estrutura panorâmica do direito cibernético, centrada no estudo histórico da ordem jurídica de regência e na hermenêutica que dela se pode extrair para sistematizá-la, tendo o trabalho sido concluído e defendido em 2003.
Construí uma sólida amizade com o Professor Saldanha, com quem dividi a coordenação de cursos de especialização da ESMAPE (Escola Superior da Magistratura de Pernambuco), em meados de 2000, a partir daí tínhamos encontros semanais cujo ponto máximo eram as reflexões do saudoso Mestre sobre filosofia nos almoços, sempre regados com vinho tinto (chileno ou argentino), no restaurante ‘O Donatário’, em Recife.
Em 2010 e 2011 fui aprofundar os estudos sobre a mesma temática num pós-doutorado na Universidade de Salamanca, sob a orientação do Professor Lorenzo Mateo Bujosa Vadell, quando tive a oportunidade de analisar como os ordenamentos jurídicos europeus estavam lidando com a regulamentação dos impactos provocados pela tecnologia no universo do direito, com foco e ênfase no direito processual. Em 2011, concluído o pós-doutorado, voltei aos encontros com Nelson, agora mais esparsos, mas não menos profícuos.
Foi Nelson Saldanha quem me incentivou a compilar os meus estudos e escritos e publicá-los sob a forma de um ‘Tratado’, ou seja, numa compilação que vem aqui sistematizada em cinco volumes.
Neste primeiro volume, a ideia consiste em introduzir o leitor numa ambiência tecnocêntrica a partir de uma análise histórico-crítica sobre a técnica e seu entrelaçamento com a tecnologia, que simboliza o logos da técnica e, sobretudo, acerca do caráter vigilante, controlador e neocolonizador exercido pela tecnologia sobre o comportamento humano.
Parte-se de uma demonstração do nascimento e da evolução da técnica e da tecnologia e de como foram usadas na sociedade disciplinária de meados do século XX tal qual uma ferramenta panóptica de controle social, no sentido de Foucault, recorrendo à imposição do sentimento irradiado nos cidadãos, que se comportavam de determinada maneira (desejada pelo Estado) pelo medo de serem punidos acaso se comportassem de modo diferente.
Daí perpassa-se para a sociedade de controle, aventada por Deleuze e Marcuse, baseada no controle através da modulação comportamental humana e dela para a sociedade tecnológica, a qual se caracteriza por uma vigilância excessiva e por uma remodelação do panoptismo para transformá-lo numa espécie de controle comportamental muito mais sutil e eficiente, o neo-panoptismo ou panoptismo digital, que representa, na verdade, um grande blefe tecnológico, como profetizou Ellul.
Tenciono aqui demonstrar que na sociedade digital os indivíduos não mais sentem medo de serem vigiados, pelo contrário, abrem mão de sua privacidade e são controlados por algoritmos capazes não apenas de predizer, mas, sobretudo, de prescrever comportamentos humanos baseando-se numa poderosa infusão massiva de endorfinas algorítmicas que provocam uma sensação alucinógena equivalente a um pseudo-empoderamento e estrelato social nos usuários da Internet, que passaram a ter um lugar de fala visível e hiperinterativo representado pelo hábito reativo e viciante de fazer postagens, leituras e comentários das publicações dos demais usuários com os quais acontece a hipercomunicação na grande rede digital.
É nesse contexto que se investiga como as redes sociais são utilizadas como mecanismos neocolonizadores de ‘psicologia de massa’, baseados numa hipnose coletiva e alienante, que fomentam agregação e, ao mesmo tempo, impulsionam identitarismos sociais, políticos e religiosos, e, paradoxalmente, estimulam a exclusão dos diferentes, tornando-se um laboratório perfeito para a realização de experiências humanas, sem conhecimento e/ou consentimento prévios dos indivíduos, e, também, de propagação de conteúdos inautênticos coordenados, de vieses ultratotalitários, dos quais resultaram severos ataques aos regimes democráticos em vários países do mundo, pondo em risco até mesmo o establishment do Estado liberal.
O adequado entendimento desse fenômeno exige uma retomada histórico-crítica para se obter uma compreensão adequada sobre quando e como tudo começou, isto é, sobre o Vale do Silício, rectius, das ideias contraculturais de Marshal McLuhan, Buckminster Fuller e Stewart Brand, que pregavam um ‘comunalismo’, ecologicamente sustentável, e uma autonomia centrada na libertação do indivíduo do poder do Estado através da popularização dos meios tecnológicos, e isto passava, indispensavelmente, pela miniaturização dos computadores, que, até então, eram extremamente caros, grandes e inacessíveis ao público.
Dessa utopia participaram jovens brilhantes com suas empresas de garagem como Steve Wozniak e Steve Jobs (Apple), Bill Gates (Microsoft), dentre outros, e que, no entanto, transformaram-nas em grandes corporações, as quais, juntamente com outras big techs fundadas por outras mentes prodigiosas que surgiram mais tarde, como Jeff Bezos (Amazon), Larry Page e Sergey Brin (Google), Zuckerberg (Facebook), Jack Ma (Alibaba), Ma Huateng (Tencent), instituíram um superpoderoso conglomerado de empresas do setor tecnológico que constituíram o big data e que, em vez de compartilharem o conhecimento democraticamente, nos moldes da ideologia inaugural e contracultural do Vale do Silício, monopolizaram o mercado da tecnologia.
As big techs estabeleceram a era do capitalismo digital, expressão que designa o domínio e a governança algorítmica privada, acarretando um inédito deslocamento dos centros de poder, que migraram do, até então, domínio exclusivista do Estado para as grandes empresas de tecnologia. Criaram uma nova ordem econômica mundial, ‘siliconizando’ o mundo inteiro, com sérios reflexos irradiados na ordem político-democrática, pois conseguiram a proeza de criar um regime capitalista massificado e, ao mesmo tempo, de nicho, com uma orientação ultraliberal, neototalitária, lastreada e alimentada pelo neocolonialismo de dados, uma governança algorítmica marcadamente evidenciada pelo descompromisso com a ética.
Este volume encerra-se com uma análise sobre ‘O Dia da Infâmia’ (08 de janeiro de 2023), que se apresenta como uma nítida confirmação da hipótese levantada neste livro sobre o poder de vigilância, controle e de manipulação que a governança algorítmica proporciona na sociedade digitalmente massificada, hipnotizada, modulada e imbecilizada. Isto ficou claro quando militantes bolsonaristas invadiram os prédios públicos dos três poderes da República, numa ação previamente coordenada, financiada e comandada por líderes políticos, cuja responsabilização espera-se que seja apurada em obediência ao devido processo legal. Aqui, procedi a uma investigação sobre os possíveis concursos de agentes e de crimes, bem como sobre as várias tipificações factíveis.
ISBN | 9786585007214 |
Número de páginas | 428 |
Edição | 1 (2023) |
Formato | 16x23 (160x230) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 75g |
Idioma | Português |
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