Após sofrer um ataque quando era ainda filhote, que o deixa órfão, um mirrado veadinho se vê forçado a conviver com uma sequela que faz com que este descreva movimentos sinuosos ao caminhar. A inocente criatura, sensível e de jeito dócil, em função deste acidente passa a apresentar um caminhar delicado, pouco característico para um macho normal e assim, acaba se tornando vítima de discriminação por parte dos animais da floresta, que questionam a sua masculinidade. Sendo assim, este cresce como uma autêntica vítima de bullying do mundo animal.
Sem a presença do pai, outrora envolvido com atos de veadagem e que o abandonara quando ainda criança, para fugir com outro amigo veado, este passa a levar uma vida solitária, evitado até mesmo por outros veados do bando, que o julgam uma presa fácil devido a sua dificuldade de locomoção, alegando que este colocaria o bando em perigo frente aos muitos predadores da selva Amazônica, sempre ansiosos por comerem o mirrado e requebrante veadinho.
Após anos de sofrimento, o pobre cervídeo decide por fim à própria vida e com muita resignação decide se atirar ao famigerado rio das piranhas, tidas como as mais sanguinárias criaturas do baixo Amazonas, que perdiam em termos de ferocidade apenas para outro grupo, o das PUTAS (Piranhas Unidas e Treinadas do Alto do Solimões).
O que o pobre cervídeo não sabia era que, a líder do cardume era, de fato, uma piranha diferente das demais, uma criatura fogosa, espalhafatosa, sensível e com senso de humor invejável e ainda por cima, vegetariana, que ao invés de devorá-lo como mandaria o figurino, se sensibiliza com a história do desconsolado ser e resolve ajudá-lo. Para isso, esta tenta persuadi-lo a conhecer alguém especial, antes de tomar tão drástica decisão. Um peru, que também havia sido um frustrado suicida, ao tentar, tempos antes, ser devorado pela incomum predadora. A triste decisão deveu-se à perda de sua peruona, sucumbida em uma panela em noite de natal, somado às suas sucessivas desilusões amorosas, em suas múltiplas relações extra-especimais, posterior a perda de sua amada.
O veadinho aceita a sugestão e então, este é apresentado ao enorme e saradíssimo peru, segundo a piranha, um “Gianechini” dos fasianídeos, que com seu jeito alegre e desprendido conquista a amizade do desconsolado cervídeo. O cheio de vida e charmoso galináceo compreende os devaneios do novo amigo que, pela primeira vez na vida, convive com alguém que não o despreza, que o ouve, que não o discrimina e que o aceita como ele é. Isso faz com que os dois desenvolvam algo mais que uma grande amizade, que acaba por fazer com que a vida para o desmilinguido quadrúpede não mais lhe pareça um pesado fardo a carregar.
O peru também se beneficia desta grande amizade, pois sendo ele um fugitivo da fazenda, um bicho sem teto, este não havia encontrado ainda um lugar o qual pudesse chamar de lar ou outros bichos que o fizessem sentir-se importante e, por isso, passa a ver no novo amigo a grande companhia pela qual vinha buscando há tanto tempo, porém, sem as artimanhas comuns às fêmeas com as quais se envolvera no passado.
Além de um “galiforme de fino trato”, um verdadeiro “gentlebird”, o peru se mostra um considerável cômico, o que encanta ainda mais o veadinho e, além disso, um grande contador de histórias, que expõe ao amigo todas as suas aventuras e desventuras protagonizadas durante o tempo em que vivera na casa dos homens. Dentre estas histórias, algumas passagens do velho amigo Big Pappa, um papagaio inteligente e irreverente, bem como histórias de suas ex-parceiras, as cachorras, gatinhas e galinhas e os demais companheiros da fazenda, como; Raio” (o velho galo rapidinho), o jeguinho bem equipado, o touro que não dava no couro, a Juranha (a jumenta meio piranha), que o ajudaram a entender a difícil tarefa de compreender a mente e satisfazer os anseios das fêmeas e o que fazer e o que se deve evitar, em se tratando de se dar bem com o sexo oposto.
Por outro lado, o veadinho, ao contar-lhe sobre seu passado, relata passagens sobre interessantes personagens tais como; o Tio Ku (o veado velho, enigmático e solitário), apelidado pelos macacos de M. Jackal dos cervídeos (o predador de filhotinhos) e apontado como a suposta sanguinária e misteriosa criatura, o Chupa-Cobras.
A interação entre estes dois personagens e a piranha, a qual ambos passam a chamar de madrinha, traz outros personagens interessantes como; o Giba (a jiboia que na juventude adorava comer pererecas), o pirarucu de pirar o cabeçote, o linguado com habilidades que lhe faziam jus ao nome, a manjuba de dar água na boca. Estes e tantos outros também dão sua contribuição, ao passarem pequenas lições sobre os segredos para se encontrar alguém que venha realmente para ficar.
A grande parceria entre os dois novos amigos faz com que o veadinho, após algum tempo, se torne confuso, sem saber o que fazer da vida sentimental. Imerso em um conflito interno, assolado pelo “chamado da mãe natureza”, que impele todos os seres a se acasalarem, este se aconselha com a velha piranha, que com sua maneira despojada e despreconceituosa, tenta orientá-lo e colocá-lo no caminho da felicidade.
A piranha, o peru e o veadinho é uma história interessante como você nunca viu antes e com desfecho emocionante. Certamente, a primeira história de modelo juvenil a protagonizar tais personagens, até então, marginalizados por sua associação a expressões de cunho sexual. Estes hilariantes personagens mostram que além de dotados de talento, são capazes de suscitar os mais variados sentimentos, de surpreendente similaridade com os sentimentos humanos. A piranha, o peru e o veadinho é também um lembrete de que as diferenças existem e devem ser respeitadas, pois nem mesmo a poderosa mãe natureza faz menção de impedi-las de seguirem seu curso inevitável.
José Geraldo Ribeiro
Número de páginas | 196 |
Edição | 1 (2014) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 75g |
Idioma | Português |
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